MÁRIO CESARINY - 1923/08/09 - 2006/11/26
Muitas vezes nos cruzamos.
No caminho do Chiado ao Bairro Alto, nos memoáveis anos 80...
Vai ali o Mário Cesariny... apresentou-me um dia o meu amigo V.
Cruzamo-nos muitas vezes... ele não sabia quem eu era... apenas sabia que eu era alguém que o olhava nos olhos e sorria quando me cruzava com ele.
Mário Cesariny de Vasconcelos (Lisboa, 9 de Agosto de 1923 — Lisboa, 26 de Novembro de 2006) foi um pintor e poeta, considerado o principal representante do surrealismo português.
Frequentou a Escola de Artes Decorativas António Arroio e estudou música com o compositor Fernando Lopes Graça. Durante a sua estadia em Paris em 1947, frequenta a Academia de La Grande Chaumière. É em Paris que conhece André Breton, cuja influência o leva a criar no mesmo ano o Grupo Surrealista de Lisboa, juntamente com figuras como António Pedro, José Augusto França, Cândido Costa Pinto, Vespeira, Moniz Pereira e Alexandre O´Neill. Este grupo surgiu como forma de protesto contra o regime político vigente e contra o neo-realismo. Mais tarde, funda o Grupo Surrealista Dissidente.
Mário Cesariny adopta uma atitude estética de constante experimentação nas suas obras e pratica uma técnica de escrita e de pintura amplamente divulgada entre os surrealistas designada “cadáver esquisito”, que consiste na construção de uma obra por três ou quatro pessoas, num trabalho em cadeia criativa em que cada um dá continuidade, em tempo real, à criatividade do anterior, conhecendo apenas parte do que este fez.
São algumas das suas obras poéticas: Corpo Visível, 1950; Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos, 1953; Manual de Prestidigitação, 1956; Pena Capital, 1957; Nobilíssima Visão, 1959; Burlescas, Teóricas e Sentimentais, 1972.
UMA TELA
UM POEMA
Rua do Ouro
Ai dele que tanto lutou e afinal
está tão só. Tão sòzinho. Chora.
Direcção da Companhia Tantos de Tal.
Cincoenta e três anos. Chove, lá fora.
Chora, porquê? Ora, chora.
Uma crise de nervos, coisa passageira.
É, talvez, pela mulher que o adora?
(A ele ou à carteira?)
Seis horas. Foi-se o pessoal.
O homem que venceu está sòzinho.
Mas reage: que diabo. Afinal...
E olha para o cofre cheínho.
Sim estou só ainda bem porque não? ele diz
batengo com os punhos na mesa.
Lutei e venci. Sou feliz
E bate com os punhos na mesa.
Seis e meia. Ó neurastenia
o homem que venceu está de borco
e sente uma grande agonia
que afinal é da carne de porco
que comeu no outro dia.
É da carne de porco ele diz
vendo a chuva que cai num saguão.
É da carne de porco. Sou feliz.
E ampara a cabeça com as mãos.
Durante toda a vida explorou o semelhante.
Por causa dele arruinaram-se uns cem.
Agora, tem medo. E o farsante
diz que é feliz diz que está muito bem.
Sim, reage. Que diabo. Terei medo?
E vê as horas no relógio vizinho.
Mas, ai, não é tarde nem cedo.
Ele, que venceu, está sòzinho.
Venceu quem? Venceu o quê? Venceu os outros
Os outros, os que o queriam vencer!
Arruinou-os, matou-os aos poucos.
Então não o queriam lá ver?
Sim, reage: Esta noite a Leonor
amanhã de manhã o Sàlemos
e depois? Ah o novo motor
veremos veremos veremos
Mas pouco do que diz tem sentido.
Tudo hoje lhe é vago uniforme miudinho.
O homem que venceu está vencido.
O dinheiro tapou-lhe o caminho.
Os filhos? esperam que ele morra.
A mulher? espera que ele morra.
O sócio? Pede a Deus que ele morra!
Só a Anita não quer que ele morra!
Ai, maldita carne, murmura
vendo a água que há no saguão.
Tinha demasiada gordura!
E veste o casaco e o gabão.
Passa os olhos pelo lenço. Acabou-se.
Vai sair. Talvez vá jantar?
É inverno. Lá fora, faz frio.
O homem que venceu matou-se
na margem mais escura do rio
ao volante dum belo Packard
3 comentários:
Lembro-me bem dele, no Estádio que está tão mais feínho agora...
Pelo contrário, este blogue está mais bonito e atraente! Parabéns!
MI,
Uma delicia...esta tua leve homenagem ao Cesaryni..
Vi, no Domingo, na RTPN...num daqueles acasos do zaping que faço quando não tenho sono, uma entrevista, em género de documentário, fabuloso...ele, era o entrevistado...e dá paixão, ver aquela pessoa...nota-se que está para além do comum dos homens...e, depois o sentido de humor...de liberdade total, em relação há vida...é genial...ADOREI...
E, agora aqui está ele de novo...DO MELHOR MI...DO MELHOR...
uM ABRAÇO
Pedro, obrigada...o teu idolátrica tb é um ponto onde paro sempre :)e está muito interessante.
Maria, tb vi a reportagem, muito bonita, realmente ele era uma pessoa única, um espirito livre.
...mais uma coincidência???? lol
Xixjinhos
Fica bem
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